IMPEACHMENT
(IMPEDIMENTO)
Meus caros,
Em virtude do conturbado clima político, tenho recebido
muitos pedidos para explicar como funciona o impeachment (impedimento) do Presidente da República, e o que
acontece caso ele venha a ser efetivado.
Primeira questão: o impeachment,
a rigor, é a pena aplicada ao Presidente da República, em caso de condenação
por crime de responsabilidade. Consiste na perda da função pública, do mandato
(pena essa que, aliás, deve ser cumulada com a inabilitação para exercer outro
cargo ou função pública, pelo período de 8 anos, nos termos do art. 52,
parágrafo único, da CF). Apesar disso, o termo é muitas vezes usado também para
designar o próprio procedimento de investigação/punição do Presidente.
Quais os fatos que podem justificar o impeachment? A prática de um crime de responsabilidade, que, apesar
do nome, é um ilícito que não tem natureza criminal, propriamente dita, mas de
infração político-administrativa. Onde estão definidos os crimes de responsabilidade?
Genericamente, no art. 85 da CF, que é regulamentado (detalhado) pela Lei nº
1.079/50. Basicamente, constitui-se em crime de responsabilidade o mau
exercício da presidência, por meio da violação de vedações ou do descumprimento
dos deveres de Chefe de Governo e de Estado.
Como se percebe, o julgamento é político. Embora precise
haver provas, e apesar de existir um procedimento a ser seguido, a decisão
final é de caráter eminentemente político – tanto que o STF entende não possuir
autorização para rever a decisão que decreta o impeachment do Presidente da República.
Como se dá o processo de apuração do crime de
responsabilidade? Primeiramente, é preciso que algum cidadão (=brasileiro no
pleno gozo dos direitos políticos) apresente uma denúncia contra o Presidente,
narrando os fatos praticados pelo Chefe de Estado e que, na visão do
denunciante, constituem algum crime de responsabilidade previsto na legislação
(art. 14 da Lei nº 1.079/50). Isso não assegura, porém, a instauração do
processo. Será preciso que a Câmara dos Deputados analise a denúncia, para
decidir se autoriza ou não a abertura de processo contra o Presidente. A
votação é aberta (pública), e a autorização precisa da concordância de 2/3 dos
513 Deputados (CF, art. 51, I). Se a Câmara autorizar o processo, caberá ao
Senado Federal instaurá-lo – e, a partir desse momento, o Presidente fica
suspenso de suas funções (CF, art. 86, § 1º, II).
O Plenário do Senado Federal, em sessão presidida pelo
Presidente do STF, julgará o Presidente da República, absolvendo-o ou
condenando-o (a votação também é aberta, e a condenação exige a concordância de
2/3 dos 81 Senadores). Note que o Presidente do STF não vota, apenas preside a
sessão!
Uma pergunta importante: pode o Presidente ser processado por
atos anteriores ao mandato? A resposta é negativa, por dois motivos. Primeiro,
porque o Presidente goza da chamada imunidade processual temporária (CF, art.
86, § 4º), não podendo ser processado por atos não praticados em razão das
funções. Demais disso, a figura do crime de responsabilidade pressupõe
justamente o mau exercício da presidência – é preciso, então, que o ato tenha
sido praticado quando a pessoa já exercia o cargo. É possível, em caso de
reeleição, cassar o mandato por atos praticados no mandato anterior? A CF nada
fala a respeito, e a doutrina é divergente nesse ponto, mas particularmente
entendo que não – a reeleição é o julgamento máximo que absolve politicamente os fatos praticados no
mandato anterior. Em outras palavras: se alguém planeja apresentar denúncia
contra Dilma, terá que usar como argumento fatos praticados já após a
reeleição.
Pode haver impeachment por
crimes cometidos durante a campanha? Mais uma vez, a CF nada fala a respeito,
mas a resposta é não, pois atos de campanha não são atos praticados na
qualidade de Presidente. Se o Chefe do Executivo praticou ilícitos durante a
campanha, poderá ter o mandato cassado – mas pela Justiça Eleitoral, em caso,
por exemplo, de abuso de poder político ou econômico (se ficar comprovado, por
exemplo, que os recursos de campanha vinham de propina da Petrobras). Nesse
caso, poderá ser feita representação por abuso de poder econômico ou político,
por “qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público
Eleitoral”, nos termos do art. 22 da Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar
nº 64/10).
E, principalmente, em caso de impeachment, quem assume a Presidência? O impeachment gera a vacância do cargo de Presidente. Nesse caso,
então, o Vice-Presidente sucederá o Presidente, completando o que falta do
mandato, até o fim (CF, art. 79, caput).
Não há que se falar, portanto, em novas eleições. Foi o que aconteceu,
inclusive, com Itamar Franco em relação a Fernando Collor. Dando nomes: em caso
de impedimento de Dilma Roussef, Michel Temer assumirá o mandato até o final
(podendo, inclusive, ser candidato à reeleição). Para haver nova eleição, só se
houvesse a dupla vacância (vacância de Presidente E Vice), em caso, por exemplo, de impeachment de ambos. Teria que ser provado, porém, um ato ilícito
dos dois, o que é mais raro ainda. Em caso de dupla vacância, aí sim teríamos
novas eleições para Presidente E Vice: se a dupla vacância ocorrer nos dois
primeiros anos do mandato, novas eleições diretas; se nos dois últimos anos do
mandato, eleição indireta pelo Congresso Nacional (CF, art. 81).
Por fim: impeachment é
golpe? Não, pois se trata de um procedimento previsto na própria Constituição.
Contudo, é preciso haver uma base probatória mínima. É um julgamento político,
mas é um julgamento. Não se pode pedir impeachment
apenas porque não se gosta da Presidente ou porque se arrependeu do voto dado
(preste mais atenção da próxima vez, ora!). Por outro lado, usam de má-fé os
que associam os pedidos de impeachment
a golpe – quem diz isso não tem a menor ideia do que é um golpe de estado.
Claro que fazer o impedimento sem
haver fato seria um golpe, mas apresentar a denúncia é um fato normal, cabendo
à Câmara e ao Senado analisar o caso. O PT, aliás, na longínqua época em que
era um partido de oposição e que defendia a ética, muitas vezes fez passeatas “Fora
FHC”, sem qualquer base, mas esse é o papel da oposição.
Por fim, uma pitada de opinião pessoal. Não votei na
Presidente Dilma e acho o governo dela muito ruim. Mas impeachment é coisa séria. Não vejo base para qualquer pedido nesse
sentido (ainda), embora eu, se fosse ela, colocaria as barbas de molho e
pararia de apostar na divisão do Brasil (e de jogar a culpa de tudo na imprensa
e em FHC). Repito: não acho que exista base para pedir impedimento de uma
Presidente recém-reeleita (mesmo que muita gente tenha caído na história da
carochinha de que o PT não mexeria em direitos “nem que a vaca tossisse” –
aprendam, na próxima). De qualquer sorte, a discussão é válida e faz parte da
democracia – quem discute esse tema não é, portanto, golpista. Ou, em suma:
para variar, os dois lados estão certos e errados, cada qual com sua culpa.
Bons estudos!